Imagine a seguinte cena: você está sozinha, hospedada em uma casa bem confortável, perto do mar, perto de bastante natureza… Agora vá mais longe: imagine que você está sentada no melhor sofá imaginável e se dá conta de que por três dias inteiros, não importa o quanto você concorde com isso ou não, todas as pessoas que dependem de você de qualquer modo, mesmo que mínimo, estarão ocupadas, felizes e satisfeitas. Esses três dias são apenas seus, para fazer o que quiser, qualquer coisa. Deixa a imaginação rolar, o que você faria?
Tá difícil? Então têm mais, você está neste lugar e acaba de ser lembrada de que a última vez que pôde sentir tamanha liberdade foi… complete você mesma a frase.
2020 foi um ano extremamente difícil. Mesmo que o cansaço físico possa ter sido leve para alguns, ninguém escapou do cansaço emocional. Porém, após conversar com muitas mães e ouvir relatos extremamente semelhantes, ouso afirmar que as pessoas mais exaustas são elas.
A maioria delas também é profissional em alguma área e, além de lidar com todos os desafios ligados à pandemia e à maternidade, estiveram ativas, mesmo que com adaptações, em suas atividades profissionais.
O caso é que quase todas se sentem sobrecarregadas e exaustas por conta das responsabilidades que a maternidade trouxe. Mas, foi a maternidade quem trouxe os desafios? Ou foi uma história, onde as mulheres devem ser uma espécie alienígena de polvo multitarefas incansável e completamente altruísta?
No final de um desabafo, sempre reiteradamente justificado, quase que pedindo desculpas para o mundo por estar desabafando, aparece nos relatos um pai que não dá conta da criança, ou que “até cuida, mas deixa um rastro de coisas mal resolvidas no caminho”. É muito comum que os pais não consigam cuidar de seus filhos nem durante o tempo que a mãe precisa estar no banheiro.
Em seguida, quase como em um coro de unanimidade, elas dizem: é que eu pego a responsabilidade pra mim. É nessa hora que a maioria delas engole o choro e decide que a exaustão, causada por uma sociedade pouco, ou nada acolhedora, pela péssima divisão de tarefas e por limitações de muitos pais, é responsabilidade só delas.
Eu ouvi essa mesma história mais de 50 vezes no último ano. Então algo precisa ser dito. Mães: vocês precisam descansar e isso é tão necessário quanto alimentar seu bebê. Só isso. Descansem.
Utilizem essa força absurda para entregar seu filhote a outro ser tão responsável quanto você e digam que por 4, 6, 8, 12, 24, 36 horas não estarão disponíveis, estarão fazendo uma transfusão de sangue da alma que as mantém vivas e felizes para continuar. Note que o outro pode ser responsável e ter seu próprio modo de cuidar. Não espere encontrar outro alguém idêntico a você para te dar uma folga.
Seus filhos e filhas seguem seus exemplos e irão cuidar de si mesmos da mesma maneira que te observam cuidando de si. Se são meninos, provavelmente, esperarão encontrar mulheres que se sacrificam como você. Se são meninas muito provavelmente se submeterão a semelhantes abusos.
É muito mais provável que eles se sintam estressados e culpados diante do nosso estresse, que desamparados por passarem algum tempo sob os cuidados de outra pessoa querida. Mesmo que não seja o pai, existem muitas possibilidades: avós, amigas, padrinhos, babás. Peça ajuda! O que não dá para naturalizar, embora quase sacramentado, é esse absurdo de que a mãe só pode descansar da maternidade trabalhando em outra coisa. Isso não é descansar.
É impossível ajudar um filho a ser feliz levando uma vida infeliz. Não existe uma tabela com a quantidade mínima ou máxima de descanso permitido para as mães. Isso varia conforme a necessidade das mães e sim, talvez por conta dessa necessidade a criança precise esperar um pouco e entender que a mamãe também é humana. Uma mãe suficientemente boa depende da existência de uma mulher que tem uma vida digna. Garantir a saúde integral das mães é também, mesmo que indiretamente, garantir a saúde integral dos filhos.